Özil, campeão do mundo em 2014, provoca escândalo ao exibir tatuagem de grupo de extrema direita da Turquia
Ex-jogador da seleção alemã se deixou fotografar exibindo tatuagem que mostra símbolo do movimento supremacista turco Lobos Cinzentos, de ideologia neofascista e acusado de atuar como esquadrão da morte nos anos 70. Imagem do Instagram em que foi possível identificar tatuagem de Ozil Reprodução/Instagram O preparador físico Alper A. gosta de postar fotos de seus clientes no Instagram. Normalmente, são imagens clássicas de "antes e depois" para propagandear suas histórias de sucesso. Uma imagem recente, que mostra Mesut Özil, ex-astro da seleção alemã de futebol, causou controvérsia, e não pela forma física do ex-jogador de origem turca e nascido na Alemanha. Na imagem, os dois homens aparecem lado a lado exibindo orgulhosamente suas barrigas tonificadas após um programa de treinamento aparentemente bem-sucedido. Mas é a tatuagem visível no lado esquerdo do peito de Özil que chama a atenção: uma silhueta de um lobo e três luas crescentes. São os símbolos típicos do movimento ultranacionalista turco Lobos Cinzentos, ou Ülkü Ocakları, uma organização fundada por um militar turco em 1968 que normalmente é descrita por estudiosos de movimentos extremistas e serviços de segurança como neofascista, extremista e racista. Seu fundador, Alparslan Türkeş, chegou a ser preso em 1945 por acusações de "atividades fascistas e racistas" e de fazer parte de um complô para derrubar o governo. O lobo é um símbolo caro para os extremistas de direita turcos. Na mitologia do país, um lobo cinzento salvou os ancestrais dos povos turcos de seus inimigos e os ajudou a ascender como uma grande potência. Já as três luas crescentes eram parte da bandeira de guerra do Império Otomano, o antecessor da Turquia moderna. Esses símbolos também são adotados pelo Partido do Movimento Nacionalista (MHP), com os Lobos Cinzentos sendo considerados a "ala jovem" da legenda. O MHP é parte da base de apoio do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, conhecido por instrumentalizar o nacionalismo para perseguir críticos e opositores. Ideologia dos Lobos Cinzentos Os Lobos Cinzentos foram oficialmente banidos na França em 2020, após acusações de discurso de ódio e violência política. O movimento também já foi banido do Uzbequistão e Cazaquistão. Na Alemanha, os Lobos Cinzentos são monitorados regularmente por serviços de inteligência. Nesta semana, um tribunal de Colônia determinou que membros de grupos afiliados aos Lobos Cinzentos podem ter suas licenças para possuir armas de fogo revogadas. As autoridades alemãs caracterizam a ideologia do movimento como nacionalista-extremista, antissemita e racista. Os Lobos Cinzentos costumam enxergar como inimigos os curdos, armênios, judeus e cristãos, professando uma ideologia de supremacia da nação turca. Em 2015, em resposta ao questionamento de uma deputada de esquerda, o governo alemão caracterizou os Lobos Cinzentos da seguinte forma: "A ideologia do movimento é baseada em uma idealização do grupo étnico turco, língua, cultura e nação. As minorias étnicas na Turquia, em particular, são vistas como uma força divisiva na unidade da Turquia e, portanto, são rejeitadas. A ideologia é essencialmente moldada por imagens de inimigos e teorias da conspiração. O espectro de inimigos 'internos' e 'externos' varia: curdos, gregos, armênios, judeus, europeus, chineses, EUA e Vaticano. Dependendo da situação política atual, foca-se particularmente um 'inimigo'." Nos anos 1970, membros do movimento cometeram numerosos atos de violência e assassinatos na Turquia, especialmente contra jornalistas, militantes de esquerda, ativistas curdos e sindicalistas. Mais de 600 pessoas foram assassinadas pelo grupo, que à época atuava como organização paramilitar e era caracterizado como um "esquadrão da morte". De acordo com os serviços internos de inteligência da Alemanha, o objetivo dos Lobos Cinzentos é estabelecer um Estado homogêneo de todos os povos turcos sob a liderança turca – dos Bálcãs ao oeste da China. Existem duas correntes políticas principais que abrigam os Lobos Cinzentos: o Partido do Movimento Nacionalista (MHP) e o Partido da Grande Unidade (BBP), segundo o pesquisador de extremismo Kemal Bozay. Dos dois, o ultranacionalista MHP é a organização original dos Lobos Cinzentos, de acordo com o Departamento de Proteção da Constituição da Alemanha. Lobos Cinzentos atuando na Europa Os Lobos Cinzentos atuam em quase toda a Europa, especialmente em países com comunidades significativas de imigrantes ou descendentes turcos. Uma organização guarda-chuva regional, a Confederação Turca na Europa, foi fundada na cidade alemã de Frankfurt em 2007 para agrupar os vários ramos europeus da ideologia. Por toda a Europa, já houve registros de confrontos envolvendo os Lobos Cinzentos, particularmente contra imigrantes curdos. Na Alemanha, não é incomum que protestos de curdos sejam alvos de violência por parte de militantes do movimento turco. A Áustria proibiu a exibição de símbolos dos Lobos Cinzentos em 2019. A França ban
Ex-jogador da seleção alemã se deixou fotografar exibindo tatuagem que mostra símbolo do movimento supremacista turco Lobos Cinzentos, de ideologia neofascista e acusado de atuar como esquadrão da morte nos anos 70. Imagem do Instagram em que foi possível identificar tatuagem de Ozil Reprodução/Instagram O preparador físico Alper A. gosta de postar fotos de seus clientes no Instagram. Normalmente, são imagens clássicas de "antes e depois" para propagandear suas histórias de sucesso. Uma imagem recente, que mostra Mesut Özil, ex-astro da seleção alemã de futebol, causou controvérsia, e não pela forma física do ex-jogador de origem turca e nascido na Alemanha. Na imagem, os dois homens aparecem lado a lado exibindo orgulhosamente suas barrigas tonificadas após um programa de treinamento aparentemente bem-sucedido. Mas é a tatuagem visível no lado esquerdo do peito de Özil que chama a atenção: uma silhueta de um lobo e três luas crescentes. São os símbolos típicos do movimento ultranacionalista turco Lobos Cinzentos, ou Ülkü Ocakları, uma organização fundada por um militar turco em 1968 que normalmente é descrita por estudiosos de movimentos extremistas e serviços de segurança como neofascista, extremista e racista. Seu fundador, Alparslan Türkeş, chegou a ser preso em 1945 por acusações de "atividades fascistas e racistas" e de fazer parte de um complô para derrubar o governo. O lobo é um símbolo caro para os extremistas de direita turcos. Na mitologia do país, um lobo cinzento salvou os ancestrais dos povos turcos de seus inimigos e os ajudou a ascender como uma grande potência. Já as três luas crescentes eram parte da bandeira de guerra do Império Otomano, o antecessor da Turquia moderna. Esses símbolos também são adotados pelo Partido do Movimento Nacionalista (MHP), com os Lobos Cinzentos sendo considerados a "ala jovem" da legenda. O MHP é parte da base de apoio do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, conhecido por instrumentalizar o nacionalismo para perseguir críticos e opositores. Ideologia dos Lobos Cinzentos Os Lobos Cinzentos foram oficialmente banidos na França em 2020, após acusações de discurso de ódio e violência política. O movimento também já foi banido do Uzbequistão e Cazaquistão. Na Alemanha, os Lobos Cinzentos são monitorados regularmente por serviços de inteligência. Nesta semana, um tribunal de Colônia determinou que membros de grupos afiliados aos Lobos Cinzentos podem ter suas licenças para possuir armas de fogo revogadas. As autoridades alemãs caracterizam a ideologia do movimento como nacionalista-extremista, antissemita e racista. Os Lobos Cinzentos costumam enxergar como inimigos os curdos, armênios, judeus e cristãos, professando uma ideologia de supremacia da nação turca. Em 2015, em resposta ao questionamento de uma deputada de esquerda, o governo alemão caracterizou os Lobos Cinzentos da seguinte forma: "A ideologia do movimento é baseada em uma idealização do grupo étnico turco, língua, cultura e nação. As minorias étnicas na Turquia, em particular, são vistas como uma força divisiva na unidade da Turquia e, portanto, são rejeitadas. A ideologia é essencialmente moldada por imagens de inimigos e teorias da conspiração. O espectro de inimigos 'internos' e 'externos' varia: curdos, gregos, armênios, judeus, europeus, chineses, EUA e Vaticano. Dependendo da situação política atual, foca-se particularmente um 'inimigo'." Nos anos 1970, membros do movimento cometeram numerosos atos de violência e assassinatos na Turquia, especialmente contra jornalistas, militantes de esquerda, ativistas curdos e sindicalistas. Mais de 600 pessoas foram assassinadas pelo grupo, que à época atuava como organização paramilitar e era caracterizado como um "esquadrão da morte". De acordo com os serviços internos de inteligência da Alemanha, o objetivo dos Lobos Cinzentos é estabelecer um Estado homogêneo de todos os povos turcos sob a liderança turca – dos Bálcãs ao oeste da China. Existem duas correntes políticas principais que abrigam os Lobos Cinzentos: o Partido do Movimento Nacionalista (MHP) e o Partido da Grande Unidade (BBP), segundo o pesquisador de extremismo Kemal Bozay. Dos dois, o ultranacionalista MHP é a organização original dos Lobos Cinzentos, de acordo com o Departamento de Proteção da Constituição da Alemanha. Lobos Cinzentos atuando na Europa Os Lobos Cinzentos atuam em quase toda a Europa, especialmente em países com comunidades significativas de imigrantes ou descendentes turcos. Uma organização guarda-chuva regional, a Confederação Turca na Europa, foi fundada na cidade alemã de Frankfurt em 2007 para agrupar os vários ramos europeus da ideologia. Por toda a Europa, já houve registros de confrontos envolvendo os Lobos Cinzentos, particularmente contra imigrantes curdos. Na Alemanha, não é incomum que protestos de curdos sejam alvos de violência por parte de militantes do movimento turco. A Áustria proibiu a exibição de símbolos dos Lobos Cinzentos em 2019. A França baniu o grupo em 2020, após anos de registros de violência de membros da organização contra a comunidade armênia local. Ainda em 2020, deputados alemães conservadores e de esquerda defenderam um banimento semelhante, mas até agora nenhuma medida nesse sentido foi aprovada. As autoridades de segurança na Alemanha acreditam que existam cerca de 11.000 pessoas que seguem a ideologia dos Lobos Cinzentos, sendo que cerca de 9.500 delas são organizadas em associações. Várias dessas associações têm razão social de grupos esportivos, mas especialistas apontam que funcionam como fachadas para espalhar a ideologia do movimento. Em 2013, o jornal de esquerda Neues Deutschland apontou que os Lobos Cinzentos seriam a maior organização formal de extrema direita da Alemanha, superando até mesmo associações neonazistas alemãs. O grupo dos Lobos Cinzentos com o maior número de membros na Alemanha é a Türkisch Demokratischen Idealistenvereine in Deutschland (Associações de Idealistas Democráticos Turcos na Alemanha), conhecida pela sigla ADÜTDF e que soma 7.000 integrantes. Ela representa os interesses do partido ultranacionalista MHP e é a maior organização conhecida dentro do meio dos Lobos Cinzentos, dividida em 160 associações locais. A segunda maior é a Union der Türkisch-Islamischen Kulturvereine in Europa (União das Associações Culturais Turco-Islâmicas na Europa). De acordo com o Departamento para a Proteção da Constituição da Alemanha, ela tem 1.200 membros e está organizada em 25 associações locais. Foi fundada em 1987 por um homem que já foi acusado de fornecer dinheiro e uma arma para Mehmet Ali Ağca, o militante lobo cinzento que tentou assassinar o Papa João Paulo 2º em 1981 e que também foi condenado pelo assassinato de um jornalista de esquerda na Turquia em 1979 que defendia uma reconciliação entre a Turquia e a Grécia. A terceira organização ligada à ideologia na Alemanha é a Federação da Ordem Mundial na Europa (ANF), com cerca de 1.200 membros espalhados em 15 associações locais, segundo as autoridades alemãs. A ANF representa os interesses do partido ultranacionalista islâmico da Grande Unidade (BBP), que também é aliado de Erdogan. Vários assassinatos políticos na Turquia foram atribuídos ao BBP, que também já foi acusado de envolvimento em 2007 no assassinato do jornalista turco-armênio Hrant Dink em Istambul. Dink, que ao longo da sua carreira foi várias vezes processado pela acusação de "difamar a identidade turca", chegou a investigar a biografia de Alparslan Türkeş, o fundador dos Lobos Cinzentos, e apontou que o militar, apesar de promover a supremacia turca, ocultava origens armênias. Controvérsias nos últimos anos Campeão do Mundo pela seleção alemã em 2014, Özil nasceu em 1988 em Gelsenkirchen, na Alemanha. Em maio de 2018, ele se deixou fotografar ao lado de Erdogan. À época, o meia alemão ressaltou que durante o encontro com o líder turco, em Londres, a conversa girou em torno do futebol e não da política. O encontro gerou ataques xénofobos contra Özil por parte da ultradireita alemã. Após a derrota da Alemanha na Copa de 2018, Özil foi um dos principais alvos de críticas pelo mau desempenho da seleção, com alguns dirigentes e observadores apontando que a polêmica da fotografia com Erdogan havia tido efeitos negativos sobre a equipe. Pouco depois, Özil anunciou que não pretendia mais jogar pela seleção e divulgou uma carta em que dizia que não se sentia mais benquisto, e afirmando que sua origem turca tinha sido transformada em bode expiatório pela derrota. A carta gerou um intenso debate na Alemanha, provocando uma onda de simpatia pelo jogador. Mas Özil continuou envolto em polêmicas. Em 2019, ele se casou na Turquia. O padrinho de casamento foi Recep Tayyip Erdogan, cujo governo à época já mantinha relações conflituosas com a Alemanha e seguia para um curso cada vez mais autocrático. Em outubro de 2020, ele expressou seu apoio ao Azerbaijão, país culturalmente próximo da Turquia, na guerra de Nagorno-Karabakh contra a Armênia. "O fato de agora [Özil] se exibir com o lobo e as três luas crescentes revela uma espécie de radicalização política. Ele não costumava fazer tais declarações políticas", avaliou Hacı-Halil Uslucan, professor de Estudos Turcos Modernos e Pesquisa de Integração na Universidade de Duisburg-Essen, ao telejornal alemão Tagesschau.