O balanço de Marcelo Barbosa sobre sua gestão e a importância da inovação

O balanço de Marcelo Barbosa sobre sua gestão e a importância da inovação

Na véspera do último dia à frente da presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), 13 de julho, o advogado Marcelo Barbosa viu um de seus principais trabalhos ir a público: a Resolução 160, que reforma e atualiza as instruções 400 e 476, que regulam ofertas públicas e restritas e foram editadas em 2003 e 2009, respectivamente. As mudanças não são pequenas. A mecânica das operações no Brasil ficará muito mais próxima do que é feito hoje nos Estados Unidos, mais ágil e menos tutelada. As transformações e seus efeitos práticos ficarão mais claros em 2023, ano a partir do qual as novas regras deverão ser aplicadas.

O maior legado da gestão de Barbosa, que assumiu em agosto de 2017, é a modernização da regulação do mercado de capitais brasileiro. Não restam dúvidas. E esse era justamente um de seus propósitos.

Em números, foram 52 audiências públicas ao longo dos cincos anos em que conduziu a autarquia. A Resolução 160 é uma vitrine, já que mexe com um dos temas mais populares do mercado, as ofertas de venda de ações. Durante a gestão de Barbosa, ocorreram cerca de 200 ofertas de ações, sendo 85 novas listagens. Ao todo, as operações movimentaram quase R$ 420 bilhões. Mas as mudanças foram muito maiores e muito além do mercado de ações.

 

O mercado de títulos de dívida ganhou pujança e trouxe variedade aos investidores. Os números não deixam espaço para questionamentos sobre se que o arcabouço está robusto. As companhias têm um caminho pavimentado e atualizado para usarem o mercado para se financiar, seja para melhorarem seu perfil de dívida, seja para se capitalizar, investir e crescer.

Em 2017, ano em que chegou à CVM, o volume de todos os tipos de emissão de dívida no país (debênturesnotas promissóriasCRIsCRAsletras financeiras) foi de R$ 143 bilhões. Em 2021, esse total superou R$ 288 bilhões, mais que o dobro. O ano de 2022 só está na metade e essa soma já está acima de R$ 183 bilhões, até junho — período marcado pelo mau humor com o investimento em ações e a preferência pela renda fixa.

Quando assumiu a cadeira, um dos objetivos de Barbosa era reduzir o custo de observância, ou em outras palavras, diminuir os gastos que as empresas enfrentam para usar o mercado de capitais e cumprir suas regras. No caminho, houve ainda uma simplificação de um dos principais documentos publicados pelas companhias, o formulário de referência, por meio da revisão da Instrução 480.

O mandato de Barbosa foi particular, assim como a gestão de qualquer um à frente de um time, devido ao inusitado da pandemia do novo coronavírus e da aceleração da digitalização, que não poupou o mercado.

Mas, o Brasil sai desse período com, entre outras novidades, o crescimento dos projetos de bolsas ou quase bolsas para negociações de cotas ou até mesmo tokens de ações de empresas que fizeram captação via crowdfunding. Só que o clichê aqui é realidade: nem tudo são flores. Ou talvez, mais do que isso.

“Não é uma cadeira para quem tem problema de auto-estima”, disse ele, durante a participação do talk show do EXAME IN, ainda em 2021. Qualquer um que assuma a posição sabe que será alvo de críticas do mercado. As mais comuns, no caso de Barbosa, dizem respeito aos processos sancionadores. Ficou um gosto amargo para alguns participantes porque os julgamentos dos administradores da Petrobras, nos processos relacionados à Operação Lava-Jato, por exemplo, não resultaram em penas administrativas. Há quem diga que sanções administrativas — as do tipo aplicado pela CVM — são desnecessárias diante das condenações penais. Mas nem todos concordam.

Afinal, o Brasil vive o dilema de as empresas serem sempre consideradas vítimas de seus administradores. O CNPJ não é alvo de punições pela Lei das Sociedades por Ações, o que traz a dupla pena para investidores de empresas listadas nos Estados Unidos — uma vez que companhias como Petrobras e Braskem, por exemplo, gastaram verdadeiras fortunas com as “class actions” americanas, as ações de ressarcimento de perdas para investidores que correm no Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ).

E tudo isso aconteceu enquanto o número de investidores pessoas físicas na bolsa saltou de 500 mil para cerca de 4 milhões. A seguir, uma reflexão de Barbosa sobre sua gestão, em entrevista concedida ao EXAME IN. Na íntegra, porque, afinal, é só a cada cinco anos:

Qual era tua expectativa a respeito da função e o que encontrou na prática?

Marcelo Barbosa: Eu, como lidava muito com a CVM, já esperava, um corpo de servidores muito qualificado e engajado. E de fato foi o que encontrei. Sempre. E isso ajudou muito. Eu tinha em mente o propósito de colocar uma agenda de renovação da regulação e conseguimos fazer bastante coisa. E, inclusive, mais do que esperava. Conseguimos também fazer algumas mudanças internas, que eu era até cético. Eu sei que para o público isso é menos atraente. Mas a CVM não tinha um regimento interno há 40 anos ou mais. E nós aprovamos um. É o que diz como o corpo funciona. Esclarece muito as dinâmicas todas. É a regra que disciplina o funcionamento da autarquia área por área. Deu muita satisfação fazer.

Mas não houve decepções?

Barbosa: No campo das frustrações, talvez inocentemente, eu achava que iria conseguir avançar ou na questão de concurso ou no financiamento da própria CVM. E não conseguimos. Houve um avanço, mas pequeno, com movimentações de funcionários do BNDES, BBTS e Casa da Moeda. Eu achava isso porque a situação era crítica lá atrás. E ainda é. Não conseguimos avançar o quanto eu gostaria. O quadro é muito preocupante, nessas duas frentes.

Quantifica um pouco o que te preocupa na parte de orçamento, por gentileza.

Barbosa: Nos últimos anos, o montante de verba discricionária autorizado para a CVM é sempre insuficiente para que nós possamos fazer as contratações necessárias para atender a todos os nossos projetos, mesmo considerando só os mais relevantes. Quantificando: a última previsão de verba discricionária equivale a 3% do que a autarquia arrecadou com taxa de fiscalização no ano passado. A taxa de fiscalização foi criada e assim reconhecida na Constituição para financiar o regulador.

Eu imagino que isso seja muito decepcionante, porque o mercado só cresce: tanto em empresas participantes, como em ativos e em número de investidores.

Barbosa: Mas não é só tamanho. É em complexidade também. Quando eu fui sabatinado [para o cargo], ninguém perguntava sobre criptoativo, tokenização, assembleia virtual. Isso tudo foi aparecendo. É importante pensar em tamanho de mercado, mas também em complexidade. Porque a inovação é algo muito bom, mas traz de carona um aumento na complexidade da supervisão. E o recurso para a CVM serve também para capacitação dos servidores de acompanhar essas novas tecnologias e para atualização dos nossos sistemas internos.

E criações, acredita que deu para criar coisas novas?

Barbosa: De maneira geral, conseguimos trazer algumas inovações, mais variedade para o mercado, novas opções. Por exemplo, todo o regime das securitizadoras e do FIDCs [Fundo de Direitos Creditórios], que vai sair em breve. Trouxemos os BDRs de volta [após a crise da Agrenco, o instrumento sofreu diversas restrições]. Tudo isso são mais opções para investidores. Trabalhamos muito no fortalecimento dos regimes dos CRIs e dos CRAs. Os volumes de ofertas desses instrumentos estão sempre na frente. Sempre com demanda muito alta, mesmo quando o interesse por ações está baixo, como neste ano. Era algo que queríamos fazer e tem funcionado bem.

Quais as cinco principais medidas regulatórias da sua gestão? Digo, outras quatro, além da Resolução 160? Essa eu mesma elegi.

Barbosa: Fez bem. Eu não deixaria de fora de jeito nenhum. Pensando em regulação, exclusivamente, as resoluções 134 e 135, que substituíram a Instrução 461, que trata do ambiente de negociação. A [Instrução] 607, que virou 45, dos processos sancionadores, que é a modernização da dinâmica. Uma que ainda veremos o impacto dela, no futuro, foi a alteração da 480 para trazer a temática ESG. Mas nosso trabalho gerou também uma simplificação relevante do formulário de referência. E não tem como deixar de fora o sandbox regulatório. São essas, mas tem ainda a expansão do crowdfunding, o registro Fiagro... Vou te dar um dado: foram 52 audiências públicas durante o mandato.

Mas o que me chama atenção é que foram 52 audiências que mexem com os pilares do funcionamento do mercado. Não são detalhes.

Barbosa: Sim, e acho importante citar, a regra de fundos que está em estágio finalíssimo. Será a próxima, mas não estarei aqui. Está pronta para o colegiado avaliar.

Já que eu mesma elegi, queria comentar mais em detalhes. A reforma das instruções 400 e da 476 trouxe bastante inovação para a dinâmica das ofertas de ações. Qual foi o objetivo principal com as mudanças?

Barbosa: O propósito principal foi o de tornar ambos os ritos mais simples e diretos. Houve bastante flexibilização em diversos pontos dos processos de registro, mas não foi apenas isso. A criação da matriz de ofertas que permite identificar, com base no tipo de emissor, ativo e investidor, as informações necessárias e o rito aplicável foi um avanço importante. Há inúmeros avanços pontuais que, somados, se traduzem em processos menos onerosos, mais simples e flexíveis. É de se esperar que, com maior agilidade, as famosas janelas de mercado possam ser melhor aproveitadas. Acredito que isso se poderá perceber tão logo o cenário fique mais favorável para novas ofertas — mas nosso mercado é dinâmico e saberá fazer bom uso das novas possibilidades.

Você falou sobre como ampliar a diversificação para os investidores brasileiros. Mas vemos também muitas companhias abertas listarem ações nos Estados Unidos. Esse é um tema que te preocupa ou vê espaço para todos os ‘mercados’?

Barbosa: Esse é um dado da realidade que precisa ser bem entendido. A decisão de listagem em um mercado como o norte-americano se dá, essencialmente, por conta dos múltiplos superiores que são encontrados por lá e pela maior facilidade de realização do processo de captação que existe por conta do número muito maior de investidores e de analistas especializados. Tais fatores não decorrem da regulação nem podem ser contornados por regulação. O que se pode fazer, diante dessa realidade, é criar incentivos para que ao menos parte das ofertas a serem feitas por esses emissores fiquem por aqui, com instrumentos como por exemplo os BDRs. Se considerarmos o saldo dos últimos anos, me parece que o número de ofertas realizadas inteiramente no Brasil superou em muito as previsões que havia no auge das discussões sobre “exportação de mercado”. Em suma, é evidente que, para o nosso mercado, quanto maior a fatia dessas ofertas que fique no Brasil, melhor. Mas não é razoável achar que, por haver emissores brasileiros que optam por listagem no mercado dos EUA — o que ocorre não apenas no Brasil —, existe um problema grave.

Quando você chegou, um dos temas recorrentes de suas entrevistas era a preocupação com a redução do custo de observância. Acredita que conseguiu alcançar seus objetivos?

Barbosa: A ideia inicial era trazer esse conceito para fazer parte da cultura da CVM e sinalizar ao mercado que a nossa agenda, de lá para frente, teria esse item como princípio. Isso foi feito. Quantitativamente, não sei te dizer. Não tinha uma ideia de reduzir o custo ‘em tanto’. De fora, eu não tinha feito uma estimativa. Mas é fato que as contribuições que recebemos do mercado foram um material muito rico. É um produto que recebemos do mercado e implementamos. E acho que tivemos um ótimo resultado. Até agora estou satisfeito, mas é algo que precisa permanecer. Tem de estar incutido na cultura.

E qual o limite desse esforço? É uma desregulamentação maior?

Barbosa: Não. Aqui tem um ponto importantíssimo que as pessoas precisam entender. A redução do custo não é algo para ser executado como se fosse simplesmente uma desregulamentação irrestrita. Porque nosso mandato, como CVM, envolve questões que vão além da redução custo a qualquer custo, com perdão da redundância. Envolve garantia de transparência, proteção ao investidor, integridade de mercado. E, muitas vezes, para esses valores essenciais serem protegidos implicam em custo. Mas é uma questão de equilíbrio, em que nada disso pode ficar ameaçado.

O seu mandato foi muito curioso. Talvez nenhum presidente viveu nada semelhante, que foram os impactos irrestritos que a pandemia causou. Tanto na vida prática, como na mudança de perspectiva. Que mercado tinha e que mercado existe hoje?

Barbosa: Temos visto, cada vez mais, um questionamento sobre existência de fronteiras. O mercado, hoje, com a velocidade que as tecnologias permitem e as facilidades maiores de registro, escrituração, que o cadastro descentralizado permite, a competição não só dentro do mercado, mas entre mercados, aumenta muito. Por outro lado, hoje existe um desafio muito maior de supervisão além das fronteiras, pela maior facilidade de atuação de agentes em novos mercados, não regulados. O desafio de supervisão cresceu muito. Pela questão da fragilidade de fronteiras e pela tecnologia. Nesse ponto é importante para mencionar um avanço. Na Iosco, o documento matriz é um memorando multilateral de investimento. Depois de um certo tempo, a Iosco criou um nível superior desse memorando, um aprimoramento. No ano passado, o Brasil se tornou parte desse grupo, que de mais de 100 participantes, não tem nem 20 adesões ainda. Tivemos o reconhecimento de que a CVM pode e tem capacidade de colaboração em supervisão internacional. Foram dois anos negociando e demonstrando a qualidade das instituições e das regras.

Das frentes não regulatórias, o que destacaria do seu período de gestão?

Barbosa: Na frente sancionadora, a CVM tem feito trabalho de qualidade crescente e em maior volume. Nós em 2018 e 2019, julgamos uma quantidade muito maior de processos. Mas é preciso lembrar que, em 2020, além da pandemia, o colegiado começou a ficar incompleto. E, durante 2020 e 2021 inteiros, só tivemos completo um mês. Em boa parte do tempo, ficamos só com três diretores. Isso dificulta muito em volume. Mas quando falo em qualidade, falo do uso de outros meios, como o ofício de alerta. Ele é um meio de uso mais rápido, para condutas de menor repercussão. Nosso relatório mostra isso. Adotamos essa previsão legal, foram 534 no ano passado. Isso é avanço na minha opinião. E, nos processos, nos votos, você consegue identificar melhor os fundamentos e a dosimetria.

Tenho impressão que sua gestão fica bastante marcada pelas reformas e modernizações de regulação. Mas existem críticas quanto a julgamentos. Por que, na sua avaliação, alguns participantes do mercado ficaram com essa sensação?

Barbosa: Acho que aqui temos algumas situações bem distintas.  Decisões de colegiado a respeito de operações societárias e de mercado são o resultado de opiniões do presidente e dos diretores a respeito da aplicação das normas legais — e da própria CVM — a uma situação que se apresenta. Trata-se, portanto, de uma decisão por maioria. Sempre haverá críticas, e cabe refletir sobre sua procedência e aprender com isso. Mas é importante também reconhecer que, goste-se ou não de uma decisão específica, quem examina os processos vê ali um trabalho de análise e conclusões fundamentadas tanto da área técnica quanto do Colegiado.

E quanto aos julgamentos?

Barbosa: A atividade sancionadora tem feição diferente [das decisões de colegiado], por tender à responsabilização dos envolvidos. Nos últimos anos, com a divulgação dos relatórios de atividade sancionadora, acredito que ficou mais claro o grande volume de trabalho a cargo da área responsável e o ajuste no uso de meios de supervisão possível após a edição da Lei 13.506/17 [que, entre outras mudanças, ampliou o valor das multas a serem aplicadas]. É nítido o maior uso de ofícios de alerta frente aos processos sancionadores, como inclusive o mercado esperava, dentre outros aprimoramentos.

Durante teu mandato, o país viveu uma situação única de taxa de juros muito baixa e crescimento muito grande no número de investidores. Apesar de estarmos num cenário de juro alto agora, o que é importante para seguir nesse trabalho?

Barbosa: Importante continuar, acima de tudo. Por mais que esse patamar de juros impacte a decisão entre renda fixa e variável, é muito importante que a formação dos professores em educação financeira, para chegar na ponta dos alunos, forme um público mais pronto para aproveitar e quando for conveniente tomar as decisões. Isso precisa ser independente do cenário econômico: o lado também da proteção. A pessoa com alguns conceitos bem estabelecidos é mais segura para fazer planejamento da própria vida. E também para transitar nas redes sociais, onde vai esbarrar com muita gente falando sobre oportunidade de investimento. Precisa de segurança para entender o que está sendo dito.

Que desafios o crescimento do varejo traz ao regulador?

Barbosa: Esse aumento impõe ao regulador e ao mercado de forma geral uma importante reflexão: se a informação disponível alcança tal público, que é mais disperso e se encontra alguns passos atrás em termos de entendimento da informação disponível. A informação precisa ser apresentada de forma clara e ser de fácil acesso. Além disso, as iniciativas no campo da educação financeira têm um papel fundamental, na medida em que a enorme maioria do público de varejo ainda se encontra em estágio inicial de aprendizado como investidores.

Mas como a CVM avançou na questão da educação financeira nesse período?

Barbosa: Fizemos acordos muitos importantes. Por exemplo, para formação de professores. Não só com Ministério da Educação, mas com consórcios interestaduais. Aprovamos [na última semana de gestão] a assinatura do que faltava, para preencher o mapa, que era o da região Centro-Oeste. Os resultados nessa temática são vistos ao longo do tempo. A plataforma institucional para melhorar e desenvolver a educação financeira no Brasil está montada.

Misturado o esse salto quantitativo de investidores, veio também o crescimento de influenciadores especialistas em recomendações de investimentos. O que mais te preocupa nessa “modernidade” e quais as principais oportunidades que ela representa?

Barbosa: De certa forma, é um desafio conhecido, mas potencializado pela tecnologia. Os principais problemas, como sabemos, são dois: o exercício de atividades reguladas sem a devida autorização e a prática de ilícitos como a manipulação. Do ponto de vista da supervisão, é preciso que o regulador tenha uma estratégia capaz de acompanhar esses movimentos e usar de instrumentos dissuasórios eficientes.  A presença nas redes e a atuação junto aos influenciadores podem ajudar a disseminar boas orientações, mas sempre será necessário fazer uso dos mecanismos sancionadores para perseguir a responsabilização por condutas irregulares que forem identificadas. E para isso o regulador precisa ser dotado de recursos humanos e tecnológicos condizentes com a tarefa.

A pandemia, além da queda na taxa de juros, também trouxe implicações práticas e operacionais. Como foi esse momento? Ao contrário de diversos outros órgãos públicos, a CVM não parou.

Barbosa: Eu acho que merece ser reconhecido o que foi feito pela CVM logo no início da pandemia. Fizemos uma migração do presencial para o remoto com muita tranquilidade. E isso foi possível graças ao trabalho excepcional de nossas áreas administrativa e de tecnologia. É importante falar disso, porque são áreas que normalmente não são destacadas. Por isso que a gente conseguiu rapidamente funcionar para o público remotamente. Só precisamos suspender julgamentos, até criarmos o rito virtual. E, para o bem do mercado, suspendemos e prorrogamos os prazos de divulgação de balanços. Postergamos os prazos das assembleias até outubro. Interagimos com o Congresso para poder fazer isso. Para trazer nossas regras, como as assembleias virtuais, fizemos uma audiência pública de uma semana, quando na média elas são de 60 dias.

Se você tivesse mais 5 anos, o que elegeria como prioridade daqui para frente?

Barbosa: Na minha última conversa com a casa [os servidores], eu disse que havia chegado a hora que eu não queria que chegasse, mas que tinha que chegar. Por que isso? A mudança traz oxigenação, revisão de prioridades por outras lentes. É muito importante a mudança. É melhor para todo mundo.

Mas o que eu queria ouvir, sem medo de que isso soe como recomendação para o próximo presidente, é o que o Marcelo Barbosa elegeria hoje como prioridade, com a atual fotografia do mercado.

Barbosa: Acho que, em primeiro lugar, ficaria com a questão da inovação. Trabalhar com o aumento dos meios para facilitar a inovação. Ela vai trazer melhores serviços, menores custos, mais agilidade, mais competição.

Mas como inovação pode ser agenda CVM, para além do sandbox, que é o mais óbvio?

Barbosa:  Sempre que for aprovar uma regra, é importante que o prisma da inovação já venha com considerações pensadas. Do mesmo jeito que viemos com o conceito da redução do custo, a inovação tem que ser a pergunta, o conceito. Como preparar as regras pensando nelas. Até para contratação de servidores, precisa ter isso em mente, para buscar um perfil diferente.

Já que trouxe esse tema: temos assistido a um crescimento no número de ativos digitais e agora se fala em tokenização de ações. Até que ponto a tecnologia é uma ameaça ou é oportunidade? Queria te ouvir se esse futuro te preocupa ou te encanta, pelas possibilidades. 

 Barbosa: Seja no mercado de capitais, seja onde for, a tecnologia é uma força que impulsiona as ações humanas. Cabe entendê-la para fazer bom uso, mas também colocar limites que evitem seu emprego antes de seu domínio. É natural que haja debate sobre o acerto na margem de segurança com a qual o regulador trabalha. Essa é a história do uso de tecnologia em qualquer mercado do mundo. Uma abordagem que se adotou no Brasil, não apenas pela CVM, mas também pelo Banco Central e pela Susep foi a de criar sandboxes regulatórios, que nada mais são que ambientes controlados em que novas tecnologias podem ser usadas com boa margem de segurança, em períodos durante os quais o regulador pode colher bons aprendizados e os responsáveis podem testar seus projetos. São movimentos como esses que mantêm os mercados competitivos e entregam melhores serviços aos clientes finais. 

Então inovação seria seu novo tema?

Barbosa: Não só. Outro é um esforço para maior exposição dos nossos ativos ao mercado externo e vice-versa. Mas isso não é só sobre ativos, é sobre serviços que podem ser prestados de fora. Tem a questão de passaporte de fundos, por exemplo, que funciona em outros lugares. A importância do Brasil nos índices internacionais hoje é muito pequena. Acho que isso é questão também de maior divulgação.

Quais são seus planos para depois da CVM? Volta a advogar?

Barbosa: Em primeiro lugar, descansar. Foram cinco anos intensos, que já seriam difíceis dentro do esperado, e que se tornaram bem mais desafiadores por conta da pandemia, da entrada em cena de figuras como criptoativos, etc.  Após esse período inicial de descanso, terei condições de traçar planos mais concretos — certamente exercendo a advocacia.

Você olha para empresas e investidores de uma forma diferente depois dessa passagem? O que mudou? 

Barbosa: Por todo o aprendizado colhido ao longo do mandato, acho natural que hoje perceba facetas que antes não via com tanta clareza. Os incentivos considerados nas decisões, as forças e fraquezas de seus processos internos, enfim, são vários os aspectos que aprendi a entender bem melhor.  Um aspecto que entrou de vez na vida de emissores e investidores foi a temática ESG, sem dúvida.

Fonte: https://exame.com/exame-in/o-balanco-de-marcelo-barbosa-sobre-sua-gestao-e-a-importancia-da-inovacao/