Cidades mineiras se preparam para exploração de enorme jazida de terras raras

Empresa australiana envolvida na mineração fornecerá para indústria patrocinada pelo Departamento de Defesa dos EUA

Outubro 6, 2025 - 11:29
Cidades mineiras se preparam para exploração de enorme jazida de terras raras

Não se fala em outra coisa em dois municípios ao Sul de Minas Gerais – Poços de Caldas, com 163 mil habitantes, e sua vizinha Caldas, com 14 mil moradores: terras raras. A região possui uma enorme jazida, com um nível de concentração jamais visto desse conjunto de 17 elementos químicos, fundamentais para tecnologias da transição energética e da indústria militar e centrais nas disputas comerciais envolvendo Estados Unidos, China e Brasil. 

Em julho deste ano, o presidente Lula (PT), no que foi entendido como um recado ao americano Donald Trump, disse que “ninguém bota a mão” nos minerais brasileiros.

Porém, um grupo de ambientalistas de Caldas, membros da Aliança em Prol da Área de Proteção Ambiental (APA) da Pedra Branca, tem alertado que não é bem assim: a Meteoric, uma das empresas australianas que pretende iniciar a exploração de terras raras em Minas Gerais já no ano que vem, tem um acordo firmado com a canadense Ucore, cuja fábrica fica nos Estados Unidos. A Ucore foi financiada pelo Departamento de Defesa dos EUA, de quem recebeu 18 milhões de dólares – algo em torno de R$ 100 milhões.

As terras raras são elementos estratégicos para a transição energética, porque são usadas nos superímãs de carros elétricos e turbinas eólicas. “Mas as terras raras também são usadas para fazer mísseis, bombas e drones de guerra”, explica Daniel Tygel, presidente da Aliança em Prol da APA da Pedra Branca.

Não à toa, o fornecimento de terras raras é uma das prioridades de Trump, que no início do ano assinou um decreto para impulsionar a produção no país. O texto não menciona a utilização das terras raras para a transição energética, mas sim o seu potencial bélico. “Minerais críticos são essenciais para a prontidão militar dos EUA, já que são componentes-chave de caças, satélites, submarinos, bombas inteligentes e sistemas de orientação de mísseis”, diz o documento.

No acordo firmado com a Ucore, a Meteoric se compromete a fornecer parte da sua produção de terras raras para a empresa sediada no Canadá, que se encarregaria de fazer o processamento desses elementos. A Agência Pública perguntou à Meteoric se é possível que estes elementos sejam usados na fabricação de armas. “É impossível que tenhamos o controle sobre o que será feito com esse concentrado de terras raras”, admitiu a empresa.

Por que isso importa?

  • Poços de Caldas e Caldas, no Sul de Minas Gerais, estão no centro de uma disputa internacional pela exploração de uma enorme jazida de terras raras, um conjunto de elementos químicos fundamental para indústrias tecnológicas e militares.
  • A área de exploração é maior do que a cidade de Belo Horizonte. Moradores e movimentos sociais tentam entender os impactos do projeto.

Para muitos caldenses e dos poços-caldenses, não basta que Minas Gerais, uma vez mais, apenas exporte os minérios para os EUA e outros países, como já acontece, por exemplo, com o minério de ferro. Nas audiências públicas que debateram a chegada das empresas australianas nas cidades, movimentos sociais levantaram que é preciso que se instale no estado toda uma indústria de alta tecnologia capaz de atuar em toda a cadeia das terras raras – e não apenas na extração dos elementos.

Isso, por ora, está longe de acontecer. Além do acordo com a Ucore, a Meteoric assinou um contrato para fornecer terras raras para a Neo Performance Materials, sediada na Estônia. Lá, sim, esses elementos seriam processados para a fabricação dos superímãs.

Descobridor do tesouro mineral, o geólogo Álvaro Fochie, de 63 anos, está entusiasmado com o início dos projetos nas duas cidades, mas concorda com o ponto levantado pelos movimentos sociais. 

“O nosso desejo é trazer para o Brasil todos os elos da produção: a mina para extrair o carbonato de terras raras nós já temos; o segundo elo é a separação dos óxidos, depois a sua metalização, e por fim a fabricação dos ímãs. Se a gente consegue isso, vamos atrair toda a cadeia produtiva que depende de terras raras: a indústria automobilística, de celulares, de televisão, de aerogeradores, placas fotovoltaicas, motores elétricos de todos os tipos, equipamentos bélicos, médicos”, projeta Fochie.

O carbonato de terras raras, mencionado pelo geólogo, é o produto das mineradoras que extraem os elementos do solo. No geral, as jazidas possuem uma concentração muito baixa de terras raras, de menos de 2%. Então, as mineradoras precisam primeiro fazer a extração e descartar a maior parte do solo que não possui terras raras para produzir uma espécie de concentrado desses elementos, o carbonato. 

A descoberta de Fochie remonta a 2011, quando a China restringiu a exportação destes minérios para o Japão e o preço mundial das terras raras disparou nas bolsas de valores. Agora, ela se mostra estratégica, depois que a China restringiu suas exportações de terras raras por alguns meses em resposta à ameaça tarifária de Trump. A China é a maior produtora de terras raras e responde pela produção de mais de 90% dos superímãs no mundo.

Desde os anos 1930 já se sabia que a região de Caldas contava com a presença de minerais críticos, porém sob a forma de rocha dura, cuja extração não era economicamente interessante. Fochie, então, sugeriu ao seu sócio, Lívio Togni, ambos brasileiros, que prospectassem os terrenos da empresa, a Togni S/A, produtora de materiais refratários – um tipo de cerâmica muito utilizado na indústria, capaz de aguentar altas temperaturas sem se degradar.

Neodímio (Nd) e Praseodímio (Pr)
Disprósio (Dy) e Térbio (Tb)
Cério (Ce)
Lantânio (La)
Ítrio (Y)
Samário (Sm)
Túlio (Tm)
Outros
Neodímio (Nd) e Praseodímio (Pr)

Superímãs de carros elétricos, turbinas eólicas e equipamentos militares.

Disprósio (Dy) e Térbio (Tb)

Também usados, em menor quantidade, nos superímãs.

Cério (Ce)

Lâmpadas de LED.

Lantânio (La)

Separação de componentes do petróleo, baterias e lentes.

Ítrio (Y)

Lasers.

Samário (Sm)

Ímãs de motores para aviões.

Túlio (Tm)

Dispositivos de Raio-X.

Outros

Érbio [Er], Escândio [Sc], Európio [Eu], Gadolínio [Gd], Itérbio [Yb], Hólmio [Ho], Lutécio [Lu], Promécio [Pm]: usos como telas de smartphones e TVs, equipamentos médicos e lasers.

Foram anos de pesquisa geológica e análises laboratoriais para a confirmação de que havia um depósito de argila iônica com terras raras na área. Como o Brasil não possui a tecnologia necessária para esse tipo de mineração, Togni e Fochie foram atrás de empresas no exterior que se interessassem na exploração das terras raras. Em 2022, por meio de conhecidos em comum do mundo da mineração, chegaram aos representantes da Meteoric no Brasil e, por fim, ao acordo de venda dos direitos de exploração de licenças minerárias.

“Eu estimava que teríamos 300 milhões de toneladas de argila iônica. O número que sabemos hoje, só nas nossas áreas, é de 7 bilhões de toneladas”, contou Fochie à Pública.

A Meteoric e a Viridis, a segunda empresa australiana que se estabeleceu em Minas Gerais, também não querem ficar só na extração dos minerais, e ambicionam estabelecer no Brasil toda a cadeia de beneficiamento das terras raras. Ambas firmaram parcerias com indústrias australianas para desenvolver as tecnologias necessárias para tanto. Se bem-sucedidas, elas seriam as primeiras empresas a realizar a separação dos elementos e a produção dos óxidos de terras raras na América Latina.

“Nossa visão é de que Caldeira [projeto da Meteoric] tem o potencial de se tornar a mina de terras raras mais significativa no mundo e ‘revolucionar’ a indústria ao se tornar a fonte de menor custo desses elementos fora da China”, afirmou Andrew Tunks, presidente da Meteoric, em carta aos acionistas.

Mas, por ora, os projetos seguem em fase de testes. A ideia das multinacionais é obter as licenças ambientais até outubro deste ano. Só então teria início a construção das plantas industriais, que ficariam prontas em meados de 2027. 

Os eufóricos e os desconfiados

A Viridis e a Meteoric, que possuem o projeto Caldeira, acenam com investimentos na casa dos R$ 2 bilhões e falam na possibilidade de gerar milhares de empregos na região, com centenas de milhões de reais revertidos em impostos para as prefeituras e o estado.

Proporcional às cifras é a quantidade de minérios que pretendem extrair: ao cabo de 13 anos, vida útil dos projetos das mineradoras, 800 milhões de toneladas de argila seriam revolvidas para a extração do carbonato de terras raras. Para cada tonelada de argila processada, cerca de 1,5 kg de carbonato é produzido. Os terrenos com potencial de serem explorados somam 420 km² – um terço da área de Poços de Caldas e Caldas somadas.

Nesse contexto em que tudo é superlativo, os moradores, o poder público e os movimentos sociais de Caldas e Poços de Caldas buscam compreender os impactos, a dimensão e os benefícios que a nova onda de mineração pode gerar. 

“Estamos entregando para essas duas empresas um terreno muito maior que a cidade de Belo Horizonte”, disse João Carlos Landi, líder comunitário em Caldas, numa audiência que aconteceu na cidade em novembro do ano passado. 

As maiores preocupações giram em torno do risco para o abastecimento de água, da proximidade com uma antiga usina nuclear das zonas de exploração e da falta de investimento na cadeia das terras raras para além da extração. 

“Sabemos que a exploração trará grandes mudanças”, disse, à Agência Pública, o presidente da Câmara dos Vereadores de Poços de Caldas, Douglas Souza (União Brasil). “Ao mesmo tempo, não podemos ignorar os impactos ambientais, que precisam ser acompanhados com rigor”, completou.

Um desses impactos diz respeito à enorme quantidade de água que será utilizada no processo de extração de terras raras. “Em 2024, a cidade já enfrentou uma escassez severa, com bairros inteiros sem o abastecimento de água. Como será garantido que a operação minerária não afetará ainda mais a segurança hídrica da população?”, questionou, na audiência pública em maio deste ano, Nelson Henrique Filho, líder comunitário do bairro Parque Esperança, próximo à área que a Viridis deseja explorar.

Segundo o estudo de impacto ambiental da própria Viridis, a região de Poços de Caldas convive com um risco de secas “significativo”, situação que deve se intensificar entre 2030 e 2050, projeta o mesmo estudo. Já a Meteoric reconhece que entre as “mudanças potenciais” que seu projeto pode vir a causar, está a “influência sobre a qualidade das águas superficiais e subterrâneas”, resultando na “variação na dinâmica e disponibilidade hídrica”.

José Marques, diretor executivo da Viridis, disse na mesma audiência que a água utilizada será enviada a uma estação de tratamento, sendo reaproveitada no processo de lixiviação. “Esperamos recuperar mais de 75% da água industrial”, declarou. Já a Meteoric prevê monitorar as fontes hídricas da região, para entender se suas atividades estão comprometendo alguma nascente.

O método – a lixiviação de argila iônica – vem sendo apresentado como pouco agressivo do ponto de vista ambiental, além de mais barato que os praticados na própria Austrália e nos EUA.

“É como se estivessem adsorvidas na superfície da argila – e basicamente podem ser lavadas usando sulfato de amônio”, explicou à Pública Gisele Azimi, professora no departamento de engenharia química da Universidade de Toronto e pesquisadora no Laboratório para Minerais Estratégicos da universidade. A lavagem é o processo utilizado para “retirar” os elementos de terras raras da argila e produzir o carbonato.

Segundo as duas empresas, uma vez obtido o produto – o carbonato de terras raras –, o restante da argila é lavado para retirar impurezas e estocado numa pilha de rejeitos que, posteriormente, é devolvida para a cava de onde foi retirada. Os danos ambientais, garantem, seriam mínimos.

Na China, no entanto, que desde os anos 1990 lidera a produção global de terras raras, a exploração causou graves danos ambientais. Da escassez de água à poluição do solo, e, segundo as autoridades da agência governamental que regula o setor, a recuperação destas áreas pode levar até um século. Para conter os danos, o governo chinês fechou, nos últimos anos, inúmeras cavas de terras raras.

Azimi avalia que, de modo geral, a exploração das terras raras “pode ser benigna e segura para a comunidade, para o solo e a água”. Tudo depende, ressalva ela, “de como as empresas vão desenhar o processo e o que vão utilizar para esses depósitos em particular”.

Área de proteção ambiental no centro da disputa geopolítica

A corrida pelas terras raras mineiras levou a um raro alinhamento entre o governador Romeu Zema (Novo) e o governo Lula. Ainda que em fase de requisição das licenças ambientais, as mineradoras australianas já contam com a chancela estadual e federal.

“O que queremos é isso, uma mineração segura e verde”, elogiou Zema, na assinatura do protocolo de intenções com a Meteoric em 2023. Já os ministérios do Meio Ambiente e da Fazenda incluíram a empresa na Plataforma Brasil de Investimentos Climáticos, que em 2024 foi apresentada ao G20 com o objetivo de “ampliar os investimentos na transformação ecológica rumo à descarbonização da economia e o uso sustentável dos recursos.”

Todo esse entusiasmo tem contagiado as prefeituras. O prefeito de Caldas, Ailton Goulart (MDB), enviou um projeto de lei à câmara dos vereadores com o objetivo de suspender a Zona de Amortecimento da Área de Proteção (APA) da Pedra Branca, a maior unidade de conservação da região. O projeto propõe que o conselho gestor da unidade, integrado pela sociedade civil e por autoridades públicas, já não tenha poder para, por exemplo, vetar empreendimentos que afetem o território da APA. 

Dentre as áreas que serão impactadas pela Meteoric está, justamente, a Zona de Amortecimento da APA de Pedra Branca. Em 18 de agosto, o Conselho Gestor da APA vetou a presença da Meteoric na região, por entender que as atividades minerárias comprometeriam a preservação ambiental do santuário ecológico. Um dia depois, a prefeitura publicou uma nota em que dizia que a decisão seria ilegal, pois um dos membros do conselho, que representava o Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente (Codema), teria votado contra a deliberação do Codema.

Na semana seguinte, por meio de uma carta, a Meteoric buscou tranquilizar seus acionistas: “recebemos apoio público por escrito do Prefeito de Caldas. A empresa continua trabalhando em estreita colaboração com o Prefeito para garantir o cumprimento dos procedimentos e uma resolução rápida [do caso]”.

A APA, assim como os dois municípios e a região que a Meteoric e a Viridis pretendem explorar, encontram-se no Planalto de Poços de Caldas, uma área de 750 km² que, num passado remoto – 120 milhões de anos atrás – constituía um tremendo vulcão. E não é a primeira vez que minerais estratégicos são prospectados na região. Em 1982, instalaram-se ali as Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal que deu início à primeira exploração de urânio do país.

A extração do minério radioativo durou até 1995, deixando atrás de si um enorme passivo ambiental – somente num dos galpões da INB em Caldas, 20 mil toneladas de rejeitos radioativos estão estocados, e próximas a este galpão existem duas barragens que também armazenam lixo radioativo. Por já ter sido palco de uma corrida desastrada por minérios, parte dos moradores de Caldas e Poços de Caldas não veem com entusiasmo a chegada da Meteoric e da Viridis.

“A área próxima que a Viridis vai querer daqui a quatro, cinco anos, fica na beira da INB, fica na beira da Meteoric, fica na beira das barragens de resíduos, fica na beira da barragem de tório, fica na beira do barracão com 20 mil toneladas de rejeito radioativo que nós temos na região”, disse, à Pública, Tygel, presidente da Aliança em Prol da APA da Pedra Branca.

De fato, no projeto apresentado pela Meteoric, parte das instalações ficariam próximas às áreas da antiga extração de urânio, e, além disso, os caminhões carregados com quarenta toneladas de argila iônica passariam diariamente ao lado de uma das barragens da indústria nuclear. A empresa foi cobrada sobre isso na audiência pública de novembro passado – e acabou se ajustando às demandas dos caldenses. 

Tygel, que é mestre em física pela Unicamp e até 2024 era vereador e presidia a Câmara de Caldas, listou outras inquietações. “À medida que fui compreendendo os projetos, minha animação entrou em declínio. O que estão propondo é catastrófico, da forma como foi apresentado”, disse.

Entre as preocupações, está a de que os projetos ora em análise são uma fração ínfima do que, no futuro, as empresas pretendem minerar. “Não estamos falando só desse primeiro impacto. Estamos avaliando o futuro de toda a região”, diz Tygel.

O projeto Caldeira compreende três áreas de exploração cujos direitos foram comprados pela Meteoric. Além destas, a empresa adquiriu direitos em outras 67 áreas. Por fim, nos últimos três anos a Agência Nacional de Mineração (ANM) recebeu mais de uma centena de pedidos de pesquisa de terras raras no entorno do Planalto de Poços de Caldas vindos de outras empresas. O receio de Tygel é que a mineração se generalize por ali, alterando definitivamente o perfil rural de Caldas e prejudicando o turismo, um dos carros-chefe da economia de Poços de Caldas. “A nossa região está sendo considerada como uma zona de sacrifício”, lamenta Tygel.